sábado, 3 de setembro de 2011

Madrugada

Tenho um grande defeito, deito-me muito tarde, quando escolho a hora a que me deito.
Sempre preferi magicar enquanto está tudo silente, enquanto não ouço carros a passar na rua, enquanto os aviões não traçam o céu. Sinto-me mais desafogado, estou mais concentrado, o pensamento é mais útil.

Geralmente, ninguém íntimo me consegue acompanhar nas vigílias. Não que me sinta sozinho, porque há sempre forma de colmatar o isolamento provocado, é só uma constatação.

Estranhei, então, a mensagem que me caiu no telemóvel há menos de uma hora. O racional que há em mim deduziu que seria trabalho, o instintivo desconsiderou essa ideia. O meu instinto costuma ganhar.

Afastei o computador e peguei no telemóvel.

Um “Estás a dormir?” iluminou-se, solitário, no ecrã. Cliquei em “responder”, quase que maquinalmente, e escrevi um “Não”, sem ponto final, só não. Não costumo mentir.

Respondeu-me transactos uns segundos, com um brando humor ensonado, perguntei-lhe se tinha insónias, passadas algumas mensagens, respondeu-me que não, que tinha sono. Despedimo-nos.

Não sei o que a fez mandar-me a mensagem, não inquiri. Não consegui, mesmo assim, afastar da ideia o impetuoso beijo que congeminei que lhe dava, alheio aos sopros do sono.
Não me abala do pensamento esse acto. Não tenho esse género de afinidade com ela, nunca tive, nem me avoca ter, mas vislumbrei, fielmente, a cabeça dela segura pela minha mão, a mão dela no meu pescoço e o remanescente com guia de marcha, enquanto lhe invadia a boca.

Há coisas que o consciente ignora, suponho.

2 comentários:

AC disse...

Também me deito sempre tarde...e gosto de o fazer, acho que dormir é um desperdício de tempo, mas claro quanto estou mesmo muito cansada resigno-me à evidência..
Sonhaste acordado...de vez em quando também é bom, dá ânimo e alimenta o ego:))

James disse...

Sonhei com o desenvolvimento, mas não com a mensagem. Mas não percebi mesmo, não é coisa que faça com frequência.