sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Sexta-feira

Portugal sofre atentados terroristas todos os dias.

Em Portugal não surte efeito rebentar bombas no metro, ou atirar aviões contra torres, muito menos entrar com uma automática num sítio super povoado. Em Portugal, o pessoal não repara que há um problema a não ser que lhes roube tempo. A vida, em Portugal, é menos importante que o tempo…a curto prazo.
Sabemos que o dia vai correr muito mal quando nos sentamos numa cadeira, quando não a conseguimos manter imóvel e o computador decide não obedecer aos nossos comandos no exacto momento em que precisa de funcionar.

Uma pessoa normal, logo estou-me a exceptuar, olha para a pessoa à nossa frente, que por acaso até é uma mulher bem-apessoada, e faz conversa de circunstância, que se trame a ética e a deontologia, refere “Ouvi dizer que amanhã vai haver uma descida de temperatura de seis graus. Incrível, já viu? Chega o fim-de-semana, queremos ir para a praia e chove! Não que eu vá à praia, por acaso até vou trabalhar…”, depois ela responderia com um “hum hum, eu também não devo ir para a praia, como é óbvio.” E eu perguntaria “É casada?”, e ela poderia responder “Não…quer deixar isso e pagar-me um café?”, ou “Mas essa porcaria anda?!”.

Como sou o James, limitei-me a ficar calado, a carregar nas teclas do computador, como se estivesse complicada a escolha, enquanto pensava no que ia almoçar.

Portugal não funciona bem, funciona muito pior desde que informatizaram certas coisas.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Existe uma terrível realidade que se apreende quando compartilhamos parte dos nossos momentos com pessoal, exageradamente, proveniente do núcleo de saúde. Nunca é apenas um mau jeito, uma dor de cabeça, uma alergia ou uma mudança de tempo.

Há profissões assim, que não têm um botão para desligar. Nunca se deixa de ser os médicos, ou os enfermeiros, os farmacêuticos.

Parecendo que não, e afianço que muita gente não alcança a consequência deste facto, perde-se grande parte dos temas de conversa quando nos deixamos de queixar de alguma dor.

É fastidioso ir beber café com “os doutores”, sentir aquela moinha persistente e pensar, reiteradamente, “Não vou dizer que estou com dores, não me vou queixar, vou guardar para mim, força força.”. Exige um esforço hercúleo, após sentir a inoculação de dor, continuar a caminhar sem vacilar, ou sem resfolegar para dissipar a dor…só para evitar a conversa do costume.

Nunca se sugere um unguento, ou aquele massagista mesmo bom a que fomos há quinze dias, nunca é do tempo, nem “passa já”… Ouvem-se os costumeiros vaticínios, mal se começa a queixa já se está à beira da morte, com uma doença terminal a palpitar nos confins do nosso corpo.

Azedou.

sábado, 3 de setembro de 2011

201

Gosto daqueles momentos únicos. Não tenho como descrever de outra forma.

Gosto de perfilar em fronte à janela e vê-los a sobrevoar, sabendo que naquele momento o espaço é só para aquele momento e aquelas personagens, que nada pode entrar sem ser escorraçado pelo calor das balas.

A união dos amantes, que desta feita não jogam em triângulo, aquele simples acto de ladear quem nos importa, preferindo morrer a permitir que o tutelado sofra um susto.

É uma sensação de magnificência. Ouvir o fragor da propulsão, saber o “mach” longe do seu auge. Imaginar o titubear do side-stick até à mais recôndita artéria que possuis... É um orgulho, e quase que imagino o sorriso.

Muitos olham e vêem um pedaço de metal, com mais de doze mil quilos. Eu vejo uma outra vida, imagino o brilho e o céu nem sempre azul. Imagino a tua missão, quando os incautos se prendem com o som que faz tremer as janelas.

Sobrevivo a admirar até ao fim.

Madrugada

Tenho um grande defeito, deito-me muito tarde, quando escolho a hora a que me deito.
Sempre preferi magicar enquanto está tudo silente, enquanto não ouço carros a passar na rua, enquanto os aviões não traçam o céu. Sinto-me mais desafogado, estou mais concentrado, o pensamento é mais útil.

Geralmente, ninguém íntimo me consegue acompanhar nas vigílias. Não que me sinta sozinho, porque há sempre forma de colmatar o isolamento provocado, é só uma constatação.

Estranhei, então, a mensagem que me caiu no telemóvel há menos de uma hora. O racional que há em mim deduziu que seria trabalho, o instintivo desconsiderou essa ideia. O meu instinto costuma ganhar.

Afastei o computador e peguei no telemóvel.

Um “Estás a dormir?” iluminou-se, solitário, no ecrã. Cliquei em “responder”, quase que maquinalmente, e escrevi um “Não”, sem ponto final, só não. Não costumo mentir.

Respondeu-me transactos uns segundos, com um brando humor ensonado, perguntei-lhe se tinha insónias, passadas algumas mensagens, respondeu-me que não, que tinha sono. Despedimo-nos.

Não sei o que a fez mandar-me a mensagem, não inquiri. Não consegui, mesmo assim, afastar da ideia o impetuoso beijo que congeminei que lhe dava, alheio aos sopros do sono.
Não me abala do pensamento esse acto. Não tenho esse género de afinidade com ela, nunca tive, nem me avoca ter, mas vislumbrei, fielmente, a cabeça dela segura pela minha mão, a mão dela no meu pescoço e o remanescente com guia de marcha, enquanto lhe invadia a boca.

Há coisas que o consciente ignora, suponho.